𝐐𝐮𝐚𝐧𝐝𝐨 𝐨 𝐚𝐦𝐨𝐫 𝐬𝐞 𝐬𝐞𝐧𝐭𝐚 à 𝐦𝐞𝐬𝐚
Hoje foi o fim. E também o princípio.
08 de Julho de 2025, 14h.
A ideia era ir almoçar com meia dúzia de amigos. Não desconfiava de nada.
O calendário marcava, para esta manhã, a última sessão desse inferno silencioso, o fecho de um ciclo que lhe levou o corpo à exaustão e a alma ao limite.
Mas, ao chegar ao restaurante, encontrou muito mais do que uma mesa posta:
encontrou uma declaração.
Trinta pessoas. Trinta presenças. Trinta formas de amor.
A Raquel terminou hoje o seu ciclo de quimioterapia. Chegou ao fim de uma estrada feita de angústias, de silêncios difíceis, de medos que não se dizem em voz alta.
Mas chegou de pé.
Com os olhos firmes e um sorriso que só quem já chorou muito é capaz de esboçar.
E houve uma mesa.
Uma mesa longa, cheia de amigos e família, de abraços apertados, de lágrimas discretas, de risos que saíam a medo e depois se soltavam.
Uma mesa com tudo aquilo que importa na vida. Uma mesa onde se celebrou não apenas o fim deste processo, mas sobretudo a vitória da amizade, da presença, da coragem.
Durante todos estes meses, e foram muitos, a Raquel nunca esteve só.
Houve uma rede. Uma teia feita de afecto, de presenças silenciosas, de mãos dadas nas salas do hospital, de cafés bebidos à pressa entre exames, de mensagens enviadas só para mostrar que estavam lá.
Houve sempre quem a acompanhasse em todas as sessões de quimioterapia. Em todos os dias maus. Ninguém faltou, mesmo quando havia medo. Mesmo quando doía só de ver.
Foram amigos. Amigos de verdade. Daqueles que não perguntam se é preciso, porque já estão a caminho.
E houve a nossa Mãe.
A Mãe que esteve sempre lá, mesmo quando era ela quem precisava de colo. A Mãe que soube ser forte sem fingir que não doía. Que nunca se refugiou na dor, mas também nunca a escondeu. A Mãe que disse “presente” todos os dias. Com os olhos molhados, mas a voz firme. Com a alma aos bocados, mas a cabeça levantada.
É fácil falar de coragem.
Mas a verdadeira coragem, essa que não se anuncia, vive nos gestos pequenos.
No levantar-se cedo para mais uma ida ao hospital. No segurar da mão quando o corpo treme. No sorrir mesmo quando tudo dói.
No estar.
Hoje, celebrámos. Porque é preciso celebrar. Porque mesmo com o corpo ainda frágil, há vitórias que ninguém nos pode tirar. E porque a vida, quando nos é devolvida, sabe melhor: mais lenta, mais intensa, mais verdadeira.
A Raquel chegou ao fim de um túnel escuro. Mas o que a trouxe até aqui não foi apenas a medicina.
Foi o amor.
O amor dos amigos. O amor da família. O amor de Mãe. O amor em estado puro.
E hoje, naquela mesa onde cabia o mundo inteiro, sentaram-se todas essas formas de amor.
Hoje, não se venceu apenas uma doença. Venceu-se o medo. Venceu-se a solidão. Venceu-se o impossível.
E é por isso que escrevo estas palavras: para lembrar que, por vezes, tudo o que temos é tudo o que precisamos.
Uma rede. A família. Os amigos. E uma mesa cheia.
